Acho que uma das grandes perguntas do ser humano
é o que nos torna o que somos. E parece que uma das grandes coisas que nos
separa dos outros primatas é justamente a capacidade de fazer perguntas. Um
chimpanzé que aprende linguagem de sinais básicas para se comunicar com humanos
consegue responder perguntas, mas não há registro de que eles tenham feito
perguntas durante essas interações.
Mas quando exatamente o ser humano passa a ter
essa capacidade? Sabemos que crianças de 3 a 5 anos, principalmente, passam por
uma fase onde têm perguntas intermináveis: onde, como, por que, como funciona,
por que não pode, por que precisa. Mas muito antes dessa idade já é possível
perceber o interesse da criança no funcionamento do mundo. Meu filho tinha
menos de dois anos quando se apaixonou profundamente pelas nuvens e pelo
trovão. Ele parava e escutava atentamente aquele barulho e queria saber o
significado. Explicamos ludicamente que “uma nuvem bate na outra e aí faz
barulho e chove”. Ele passou a repetir a explicação pra quem quisesse ouvir
cada vez que via as nuvens ou ouvia um trovão ou a chuva. Não sei dizer quando
essa capacidade de perguntar e essa necessidade de explicar surgem, mas não
tenho dúvidas de que elas têm muito a ver com a essência humana.
Acontece que nem todo ser humano desenvolve a
capacidade de perguntar. Algumas semanas atrás, meu filho perguntou por que o
Tarzan é mais forte que as outras pessoas, consegue subir nas árvores, se
comunica com os animais e ainda assim consegue se comunicar com humanos. Tentei
explicar sobre ele ter aprendido todas essas coisas enquanto crescia. Chegamos
no assunto de crianças que cresceram na selva e, mesmo depois de encerrada
nossa conversa, acabei procurando textos, teorias, notícias sobre aquilo que
chamam de “feral children”: crianças criadas com animais e que adotaram
comportamentos daquele grupo.
Li sobre crianças abandonadas ou perdidas e que
foram adotadas por animais. Elas desenvolvem o comportamento que observam
naquele grupo da qual se sentem parte. Em casos de negligência extrema onde a
criança mora com a família ou outras pessoas mas não tem a interação e o estímulo adequados, muitas
vezes a criança também não desenvolve a linguagem, a comunicação e a capacidade
de fazer perguntas. Algumas vezes a criança se recupera e volta a aprender,
outras não. Depende por quanto tempo que ela foi exposta a essa situação e também
da idade que ela tinha quando isso começou.
Então que interação é essa que nos torna
humanos? Então falar com a criança é suficiente? Mas digamos que a criança
cresça numa família de surdo-mudos. Isso obviamente não quer dizer que ela não
se desenvolverá como ser humano. Não é a fala em si, mas a interação. Contato
direto. Carinho, cuidado, alguém que mostre como o mundo funciona e que não
tenha medo de fazer as perguntas junto com a criança. De olhar para as
situações com curiosidade. De ouvir o que ela tem a dizer.
Em alguns dos projetos dos quais participo se avalia
o desenvolvimento intelectual e motor da criança, além do comportamental.
Comecei a me fazer muitas perguntas sobre o que influencia o desenvolvimento
infantil em diversas fases. É muito claro o quanto as interações familiares
durante a vida têm um impacto. Crianças de famílias com menos ou mais dinheiro,
dessa ou daquela etnia, que falam uma ou outra língua em casa. Tudo isso afeta
um pouquinho. É claro que para um desenvolvimento intelectual adequado é
necessário um mínimo de acesso a alimentos e estímulos externos. Mas também são
fatores determinantes a interação (o cuidado, o envolvimento emocional, um
adulto constante em que se possa confiar) e o
estímulo ao aprendizado.
As conexões que nos fazem humanos são como uma teia |
Aí está a pergunta que muitos pais se fazem:
mas afinal que estímulo é esse? Preciso de brinquedos ultra-coloridos que
cantam sozinhos? Preciso colocar música clássica para meu bebê e vídeos
ensinando os números e o alfabeto para que ele aprenda a ler, escrever e debater
as leis da física aos 3 anos de idade?
A resposta curta é não. A resposta longa é
nããããããããão. Brincadeira. A resposta longa é que o estímulo que o bebê precisa
não é esse. O bebê precisa de exemplo e carinho. Fala-se tanto por aí que para
aprender a se alimentar bem a criança apenas precisa do exemplo dos pais. Ela
vai comer o que eles comerem. Que para aprender a cuidar do meio-ambiente
precisa de exemplo. Se você jogar lixo no chão ela também vai.
Então no desenvolvimento intelectual não é
diferente. Se você passar horas no computador/tablet/smartphone é isso que a
criança vai querer fazer. Se você viver com a televisão ligada, ela vai
assistir. Se você ler, ela vai se interessar por livros. Se você olhar para a
natureza (seja o céu, as plantas, os animais) com curiosidade, seu filho vai
ter a mesma curiosidade. Se você andar pela rua com pressa de chegar ao
destino, a criança não vai gostar. Porque é da natureza dela prestar atenção às
coisas pelo caminho e ficar quinze minutos olhando a minhoca que ela viu na
beirada do canteiro. Mas se você insistir muito em não olhar para o lado, com o
tempo a criança vai perder esse interesse e essa capacidade.
O que nos faz humanos é muito complexo. É uma
mistura de carga genética (inclusive a capacidade de aprender línguas está nos
nossos genes) com diversas interações com o meio-ambiente. A cultura é algo
fundamental no nosso desenvolvimento como seres humanos. E a transmissão da
cultura começa na família, a primeira sociedade da qual a criança faz parte. Aí
podemos também perguntar o que é a cultura. Mas aí eu não paro mais de falar!
;)
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