As manhãs de páscoa da minha
infância passei procurando chocolate escondido. Com irmãos e primos. Na
sexta-feira tinha peixe de diversos tipos e lembro até de algumas vezes ir colher
Marcela bem cedinho. E no Domingo aquele churrasco com milhares de
acompanhamentos que a família toda fazia. Era uma grande festa da família
reunida, assim é que eu via.
Raramente ganhávamos ovos desses enormes
que tem por aí. A idéia era que, comprando chocolate normal (bombons, barras, o
famoso bis e mini-ovos), sobrava mais dinheiro. Vinha mais chocolate e dava pra
todo mundo, dividindo irmãmente. E sim, comprar. Era isso que eu via acontecer.
Nunca fui levada a acreditar em coelho da páscoa nem em papai noel e muito
menos fada do dente (que anda cada vez mais popular). E não acho que tenha
perdido muita coisa.
Acontece que agora moramos longe.
As páscoas do meu filho não têm sido, em geral, uma grande festa, reunião familiar.
Somos nós 3 curtindo um ao outro. Basicamente um fim-de-semana normal. E também
não tem coelho da páscoa aqui em casa. Então... que páscoa é essa? Comecei a
pensar de novo no que ela pode significar e como podemos vivê-la.
Cresci frequentando a igreja. E
conversando sobre histórias bíblicas. O meu ateísmo não desfaz o significado dessas
histórias, ele as ressignifica. A história cristã da páscoa é sobre
ressurreição, sobre renascimento e renovação. E também é assim a história da
pessach judaica. Uma passagem, uma nova vida. E quando buscamos as origens das
duas festas, e da sua data de comemoração, podemos perceber a ligação com
rituais pagãos. Não estudei nada disso a fundo, então posso estar errada. Mas
aparentemente o nome Easter (inglês para páscoa) vem de uma deusa chamada
Éostre: deusa da fertilidade e do renascimento na mitologia anglo-saxã. O
coelho é símbolo da páscoa porque é muito fértil. E o ovo que ele entrega
também é símbolo de uma vida nova (e as crianças, coitadas, juram que o coelho
bota ovo, mesmo que ninguém fale... pra elas é simplesmente lógica a
associação!).
Então por que todas essas festas
sobre nova vida e renovação nessa época? Porque a páscoa é comemorada no
primeiro domingo de lua cheia do outono? Não é simples e claro? No hemisfério
norte (de onde claramente veio a páscoa, afinal não foi dos índios americanos e
nem da África), é o começo da primavera. Depois daquele frio todo, da neve e da
introspecção, vem a primavera. A renovação de toda vida, o renascimento das
flores e folhas nas árvores, a época onde muitos filhotes nascem. Então o
significado é esse... primavera, vida, renovação, passagem. Assim como o Natal
é comemorado no auge do inverno no hemisfério norte (no Brasil temos a festa
junina no auge do inverno) e no verão eles têm o midsummer, o dia mais longo
(que é quando nós comemoramos natal e ano novo, vida nova!). O outono é que
fica meio esquecido aí no meio, né?
Ok... e daí? O que é que eu posso
fazer com isso? Como ensinar ao meu filho esse significado de renovação e
manter uma tradição cultural de páscoa sem o envolvimento de religião, sem
consumismo e sem nos enchermos de chocolate? E sem ter a tradicional festa familiar,
o churrasco e etc?
Primeiro conversamos sobre renovação
e sobre a origem de todas essas festas. Expliquei, como leiga, a libertação do
povo judeu e a passagem pelo deserto, e como se comemora a pessach. Expliquei,
como pessoa que cresceu dentro da igreja, a história da crucificação e
ressurreição e como eu a vejo. Expliquei sobre o renascimento na primavera. E a
idéia é também podermos usar esse período pra renovar nossas relações familiares.
Que onde vemos a repetição de algo irritante, de comportamentos que não
gostamos uns nos outros, possamos enxergar uma possibilidade de mudar. Possamos
também experimentar coisas novas, lugares novos, comidas novas.
E sobre o consumismo, trazendo o
que aprendi na infância e juntando o que acredito e quero ensinar ao meu filho:
o não-consumismo, ou o pouco consumismo. Resolvemos não comprar ovos.
Resolvemos fazer nosso chocolatinho em casa, esconder um pro outro, e também
fazer para os amigos. Resolvi não comprar forminhas de ovos ou de coelho.
Passamos o fim de tarde da quinta-feira derretendo chocolate e colocando em
forminhas de gelo com nossos recheios preferidos. No sábado à noite, a idéia é
esconder e no domingo procurarmos juntos. O meu filho só não vai ser a criança
que está dormindo e de manhã acorda pensando que o coelho veio. A páscoa não é
feita pra ele, mas com ele. Ele é parte do processo, parte da família, não uma
coisa separada.
E a nutrição? Por que eu coloquei
ela no título? Coloquei no final porque é a parte menos importante, a meu ver.
Primeiro porque não vamos nos encher de chocolate. Segundo porque é só um dia.
Mas achei que era preciso mencionar. Porque o que acontece pra maioria das
famílias é que vem um monte de gente querendo presentear a criança com um ovo “pra
não passar em branco”. Aí ganha um de cada tio, tia, dindo, dinda, vô e vó. E
acaba com uma quantidade incrível de chocolate caríssimo. E a páscoa vira só
isso, às vezes. A velha história da cultura da comida como comemoração. Que é
ótimo. Só acho que não dá pra ser só isso. E nem também tanto disso.
Essa é a nossa páscoa possível e
prazerosa. Sem grande família, sem encontros no sítio, sem churrasco, sem ovos
gigantes. Mas com amor, carinho, significado, trabalho em conjunto e renovação.
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