sexta-feira, 3 de abril de 2015

Minha páscoa: religiões, cultura, família, consumismo e nutrição

As manhãs de páscoa da minha infância passei procurando chocolate escondido. Com irmãos e primos. Na sexta-feira tinha peixe de diversos tipos e lembro até de algumas vezes ir colher Marcela bem cedinho. E no Domingo aquele churrasco com milhares de acompanhamentos que a família toda fazia. Era uma grande festa da família reunida, assim é que eu via.

Raramente ganhávamos ovos desses enormes que tem por aí. A idéia era que, comprando chocolate normal (bombons, barras, o famoso bis e mini-ovos), sobrava mais dinheiro. Vinha mais chocolate e dava pra todo mundo, dividindo irmãmente. E sim, comprar. Era isso que eu via acontecer. Nunca fui levada a acreditar em coelho da páscoa nem em papai noel e muito menos fada do dente (que anda cada vez mais popular). E não acho que tenha perdido muita coisa.

Acontece que agora moramos longe. As páscoas do meu filho não têm sido, em geral, uma grande festa, reunião familiar. Somos nós 3 curtindo um ao outro. Basicamente um fim-de-semana normal. E também não tem coelho da páscoa aqui em casa. Então... que páscoa é essa? Comecei a pensar de novo no que ela pode significar e como podemos vivê-la.

Cresci frequentando a igreja. E conversando sobre histórias bíblicas. O meu ateísmo não desfaz o significado dessas histórias, ele as ressignifica. A história cristã da páscoa é sobre ressurreição, sobre renascimento e renovação. E também é assim a história da pessach judaica. Uma passagem, uma nova vida. E quando buscamos as origens das duas festas, e da sua data de comemoração, podemos perceber a ligação com rituais pagãos. Não estudei nada disso a fundo, então posso estar errada. Mas aparentemente o nome Easter (inglês para páscoa) vem de uma deusa chamada Éostre: deusa da fertilidade e do renascimento na mitologia anglo-saxã. O coelho é símbolo da páscoa porque é muito fértil. E o ovo que ele entrega também é símbolo de uma vida nova (e as crianças, coitadas, juram que o coelho bota ovo, mesmo que ninguém fale... pra elas é simplesmente lógica a associação!).

Então por que todas essas festas sobre nova vida e renovação nessa época? Porque a páscoa é comemorada no primeiro domingo de lua cheia do outono? Não é simples e claro? No hemisfério norte (de onde claramente veio a páscoa, afinal não foi dos índios americanos e nem da África), é o começo da primavera. Depois daquele frio todo, da neve e da introspecção, vem a primavera. A renovação de toda vida, o renascimento das flores e folhas nas árvores, a época onde muitos filhotes nascem. Então o significado é esse... primavera, vida, renovação, passagem. Assim como o Natal é comemorado no auge do inverno no hemisfério norte (no Brasil temos a festa junina no auge do inverno) e no verão eles têm o midsummer, o dia mais longo (que é quando nós comemoramos natal e ano novo, vida nova!). O outono é que fica meio esquecido aí no meio, né?

Ok... e daí? O que é que eu posso fazer com isso? Como ensinar ao meu filho esse significado de renovação e manter uma tradição cultural de páscoa sem o envolvimento de religião, sem consumismo e sem nos enchermos de chocolate? E sem ter a tradicional festa familiar, o churrasco e etc?

Primeiro conversamos sobre renovação e sobre a origem de todas essas festas. Expliquei, como leiga, a libertação do povo judeu e a passagem pelo deserto, e como se comemora a pessach. Expliquei, como pessoa que cresceu dentro da igreja, a história da crucificação e ressurreição e como eu a vejo. Expliquei sobre o renascimento na primavera. E a idéia é também podermos usar esse período pra renovar nossas relações familiares. Que onde vemos a repetição de algo irritante, de comportamentos que não gostamos uns nos outros, possamos enxergar uma possibilidade de mudar. Possamos também experimentar coisas novas, lugares novos, comidas novas.

E sobre o consumismo, trazendo o que aprendi na infância e juntando o que acredito e quero ensinar ao meu filho: o não-consumismo, ou o pouco consumismo. Resolvemos não comprar ovos. Resolvemos fazer nosso chocolatinho em casa, esconder um pro outro, e também fazer para os amigos. Resolvi não comprar forminhas de ovos ou de coelho. Passamos o fim de tarde da quinta-feira derretendo chocolate e colocando em forminhas de gelo com nossos recheios preferidos. No sábado à noite, a idéia é esconder e no domingo procurarmos juntos. O meu filho só não vai ser a criança que está dormindo e de manhã acorda pensando que o coelho veio. A páscoa não é feita pra ele, mas com ele. Ele é parte do processo, parte da família, não uma coisa separada.

E a nutrição? Por que eu coloquei ela no título? Coloquei no final porque é a parte menos importante, a meu ver. Primeiro porque não vamos nos encher de chocolate. Segundo porque é só um dia. Mas achei que era preciso mencionar. Porque o que acontece pra maioria das famílias é que vem um monte de gente querendo presentear a criança com um ovo “pra não passar em branco”. Aí ganha um de cada tio, tia, dindo, dinda, vô e vó. E acaba com uma quantidade incrível de chocolate caríssimo. E a páscoa vira só isso, às vezes. A velha história da cultura da comida como comemoração. Que é ótimo. Só acho que não dá pra ser só isso. E nem também tanto disso.

Essa é a nossa páscoa possível e prazerosa. Sem grande família, sem encontros no sítio, sem churrasco, sem ovos gigantes. Mas com amor, carinho, significado, trabalho em conjunto e renovação.


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